Ansiedade. Se antes a palavra remetia à vontade de que algo bom chegasse logo, hoje é atribuída, automaticamente, a uma saúde mental perturbada. Assunto que era de adulto, agora é cada vez mais de criança e de adolescente – que somaram mais de 3 mil atendimentos por isso no Ceará, entre janeiro de agosto deste ano.
A rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS) realiza, a cada 24 horas, uma média de 13 assistências a cearenses de 0 a 19 anos de idade por transtornos ansiosos. Se os adultos entrarem na conta, o número sobe para 65, considerando os 8 primeiros meses de 2024.
Os dados são do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), coletados pelo Ministério da Saúde (MS) a pedido do Diário do Nordeste, e se referem aos atendimentos realizados, não à quantidade de pessoas atendidas (uma pode ter sido assistida mais de uma vez).
Do total de casos entre meninos e meninas neste ano, 21 exigiram hospitalização, conforme os dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do MS. Ao todo, incluindo os adultos, foram 93 internações por ansiedade.
Especialistas em saúde mental ouvidos pela reportagem citam, entre diversas causas para a escalada do transtorno entre os pequenos, o uso excessivo de telas e de redes sociais, a pressão crescente por desempenho escolar e o próprio ritmo de vida da família.
Já as consequências são sérias e profundas: partem da falta de concentração, irritabilidade e agitação, e chegam até problemas no sono, diminuição do quociente de inteligência (QI) e prejuízos nas relações familiares e com outros grupos sociais.
Em 2019, ano pré-pandêmico, as crianças e adolescentes do Ceará somaram 778 atendimentos ambulatoriais por ansiedade no ano inteiro – número quatro vezes menor do que o registrado em 2024 até agosto. No ano passado, foram mais de 5 mil assistências.
O médico Alexandre Aquino, psiquiatra infantil, aponta que os sintomas de ansiedade e de depressão entre os mais jovens, de fato, aumentaram após a pandemia, devido a diversos fatores – incluindo a tomada de consciência sobre os cuidados com a saúde mental.
“Existem influências genéticas, porque muitos pais têm questões de ansiedade e isso é um fator de risco para que os filhos também tenham. Existe também o efeito da modelação: crescer em um ambiente com quadros de ansiedade faz com que a pessoa aprenda a ser ansiosa”, pondera.
Há também um efeito positivo de as pessoas reconhecerem mais sintomas de ansiedade na infância e adolescência e levarem os filhos para buscar atendimento, seja psicológico, seja psiquiátrico. Isso representa uma quebra de barreira e de estigma.
O estilo de vida mais “confinado” e a intensificação das demandas escolares também são citados pelo médico como causa para a ansiedade precoce.
“Há menos oportunidade de atividades em ambiente externo. Você passar cada vez mais tempo em atividades estruturadas, dentro de um apartamento, de uma casa, sem muito contato com estruturas de lazer, também contribui para um maior estresse geral”, acrescenta.
Além das telas em si, o mergulho em aplicativos como Instagram e TikTok tem exposto os jovens (e os adultos) a ambientes adoecedores, como opina Alexandre Aquino. “Um dos efeitos é justamente o de comparação, e essa é uma faixa etária muito suscetível a isso de ficar vendo a vida dos outros aparentemente sempre melhor do que a sua.”
Isso gera, na avaliação do médico, “uma autoimagem negativa, uma percepção da própria vida como sendo menos interessante”, inclusive sobre aspectos da aparência física – “ponto particularmente importante para as meninas”.
“Há também o fenômeno da comparação em aspectos físicos, com ideais de beleza que são inatingíveis, e faz com que elas desenvolvam uma baixa autoestima e, consequentemente, tanto sintomas de ansiedade quanto sintomas depressivos”, destaca.
A psicóloga Carolina Ramos acrescenta: “as telas em si não são o problema, o problema é o excesso”.
“O problema é o conteúdo que a criança ou o jovem acessa. Temos observado muito a dificuldade de espera nas crianças, essa agitação motora e cognitiva. Porque é tanto estímulo, tanta coisa apresentada, que não dá tempo do cérebro para processar tudo, fica essa sobrecarga.”
Dos atendimentos por ansiedade no Ceará neste ano, mais de 300 foram de crianças de até 5 anos de idade. Mas é possível elas sentirem ansiedade? O psiquiatra infantil Alexandre Aquino revela que sim.
Embora haja similaridades entre as manifestações de ansiedade em crianças, adolescentes e adultos, os pequenos costumam ter sintomas mais físicos, mais “vagos”, porque não sabem como nomear o que estão sentindo.
“Do ponto de vista neurobiológico é muito parecido, está relacionado a uma deficiência principalmente de alguns neurotransmissores como serotonina em áreas cerebrais que são responsáveis pela regulação emocional”, explica o médico.
Entre os sinais da ansiedade em crianças, estão:
A psicóloga Carolina Ramos adiciona à lista “roer unhas com maior frequência, ter pesadelos e diminuir a interação social” como sinais de comportamento aos quais os pais devem atentar.
O médico do HGF alerta que “é muito comum” que os sintomas ansiosos evoluam para quadros depressivos, “com tristeza, choro e falta de prazer pelas coisas”, o que se torna patológico quando começa a interferir no funcionamento do cotidiano.
“Então, quando a criança começa a ter, por exemplo, uma queda no rendimento escolar, prejuízo nas relações sociais, no sono, começa a desenvolver um padrão de comportamento irritadiço, que atrapalha nos relacionamentos com a família e com outros grupos sociais, requer um cuidado especial.”