No registro das denúncias, uma queixa pode apontar a ocorrência da prática de mais de uma violação contra crianças e adolescentes, incluindo situações de violência física, psicológica e patrimonial.
Os dados analisados pelo Diário do Nordeste são do Disque 100 e estão registrados na Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Os índices alertam e retratam diferentes cenários em todo o Ceará aos quais crianças e adolescentes estão expostos.
Em Fortaleza, a gravidade e os efeitos dos diferentes tipos de violações desses direitos ficou explícita na tentativa de chacina ocorrida, no bairro Barroso, no final de junho. Na ocorrência, 1 criança morreu e outros 8 crianças e adolescentes foram baleadas. A ocorrência envolve briga entre facções rivais.
A coordenadora do núcleo de monitoramento de políticas públicas do Centro de Defesa da Criança e do Adolescnte (Cedeca) no Ceará, Ingrid Leite, destaca que nos últimos meses houve um aumento da violência urbana, associado ao modelo de segurança pública, segundo ela, muito pautado na ostensividade e concentrado em áreas periféricas.
“Em 2023, a área da Segurança Pública recebeu 4,6 bilhões para investimentos na área, enquanto que a Assistência Social recebeu apenas 16% (R$718 milhões) de investimento. Apesar dos recursos expressivos para a área da Segurança Pública e de todo o aparato para a atuação das polícias, o contexto violento tem se intensificado no Estado. O que nos faz pensar que este modelo de segurança pública empregado não funciona. Não será com o investimento nesta mesma estrutura e modelo de segurança que iremos mudar este contexto de violência”.
Para Ingrid, o Estado e o município precisam colaborar de forma mais próxima e juntos construírem uma renda pública integrada com as políticas sociais para que seja possível ter uma mudança de cenário nas violências sofridas por jovens e adolescentes.
“Ao olharmos para o número de CRAS e CREAS, a cidade de Fortaleza está abaixo do número recomendado. A capital não tem nem 50% dos equipamentos necessários. São equipamentos que estão em áreas da cidade onde mais acontecem homicídios e outras violências. Na área da saúde, a capital também tem um déficit no número de postos de saúde. Fortaleza deveria ter 224 postos de saúde, mas tem apenas 125, de acordo com o Monitoramento da Política de Saúde realizado pelo Cedeca em 2021, conforme a orientação da Política Nacional de Atenção Básica”.
Ela reforça que para a redução desse cenário de violência contra crianças e adolescentes, os investimentos na assistência social devem ser ampliados e os trabalhos integrados entre município e estado.
“A realidade é que há um cenário de grande empobrecimento das famílias e um contexto onde a maioria dessas famílias são chefiadas por mulheres e, sobretudo, mulheres negras, que tem um vínculo de trabalho precário e precisam de uma rede de assistência de políticas públicas eficientes para que fortaleçam a mulher para que ela proteja a criança.”, destaca Ingrid.
A coordenadora do Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência da Secretaria dos Direitos Humanos (Sedih) do Estado do Ceará, Rayara Custódio, acredita que o crescimento no número de denúncias é um reflexo do trabalho de conscientização e mobilização da secretaria e de outros órgãos de defesa das crianças e adolescentes com ações em escolas, nas redes sociais e dentre outras.
Apesar do crescimento no número de denúncias, ainda há muitos casos subnotificados, principalmente nas regiões mais afastadas da Capital e da Região Metropolitana.
“Apesar do avanço tecnológico e do acesso rápido às informações pelas redes sociais, elas acabam chegando com menor força no interior. Por isso, acredito que seja um dos fatores da subnotificação. Além disso, também existe a questão de todo mundo se conhecer e de não querer expor a vítima, o que também pode ser mais um dos fatores de subnotificação”, destaca Rayara.
Já a conselheira tutelar de Fortaleza, Débora Nogueira, também revela que houve uma maior conscientização sobre o que é violência, o que se reflete no número de denúncias. Ela lembra que após ações em escolas, as crianças e adolescentes se reconhecem em alguma das violações apresentadas e, a partir daí, o conselho tutelar toma a frente para ouvir a vítima e dá andamento na denúncia.
“O número de casos nunca foi baixo. Acredito que a divulgação através de ações dos órgãos de defesa, através da internet e dos jornais tenha feito com que o número de denúncias aumentasse. Hoje é mais fácil denunciar alguma violação, pelo Disque 100, a pessoa denuncia uma violência de forma muito rápida. A informação chega para as pessoas que vivem no interior, mas não é tão disseminado, pois a população se resguarda e as pessoas não denunciam tanto como na capital”.
Ela também detalhou o trabalho dos conselhos tutelares, que atuam em ações de prevenção e de investigação de denúncias. No caso das atividades preventivas, relata, ocorrem com palestras em escolas e, muitas vezes, explica, após o seminário a criança ou adolescente se identifica em alguma das violências apresentadas e informa ao palestrante.
“Nosso trabalho é principalmente em escolas, com palestras e explicações sobre os tipos de abusos e a partir daí algumas crianças e adolescentes nos procuram dizendo que uma das situações já aconteceu com eles e a partir desse momento de escuta, o conselho inicia a escuta da família e segue com os protocolos de assitência para cada tipo de violência”, esclarece Débora
Além da violência física, existem outros tipos de violência que prejudicam as crianças e adolescentes, como a violência psíquica, a violência patrimonial, a violência contra a liberdade sexual, dentre outras. Ao sofrer quaisquer tipos de violações, as crianças e adolescentes apresentam sinais de que algo de errado está acontecendo.
A psicóloga infantil Ana Grasieli Lustosa destaca que as vítimas apresentam diferentes comportamentos, que, na verdade, são sinais de alerta para familiares e outras pessoas prestarem atenção, são eles:
A psicóloga reforça que a mudança de comportamento é um dos principais sinais de alerta.
“A mudança de comportamento é o principal sinal de alerta para os pais e responsáveis ficarem atentos. Se a criança é alegre e comunicativa e de repente fica muito triste e sem querer conversar com ninguém, é um sinal de alerta para procurar saber o que está acontecendo”, explica.
Ana Grasieli acrescenta que ao constatar uma criança ou adolescente passando por uma situação de violência, é necessário que eles sejam acolhidos e ouvidos por pessoas em quem confiam, sem julgamentos.
Além disso, é importante o adulto ensinar para essa criança que a violência sofrida não é algo normal ou saudável. Ela precisa entender que não tem culpa, e o adulto precisa incentivar a criança a compreender as relações saudáveis, e também como identificar sinais de abuso - e tudo depende da idade da criança, pois a explicação é diferente para cada faixa etária.
Ao perceber algum desses sinais, a recomendação é que os órgãos competentes sejam acionados. O conselho tutelar é um dos principais órgãos de proteção dos direitos de crianças e adolescentes, e é responsável por zelar pelo cumprimento dos direitos desse público. Fortaleza possui 10 conselhos tutelares que atendem aos 121 bairros da cidade.
Confira os endereços abaixo:
Além da denúncia direto no conselho tutelar, também é possível registrar os diferentes tipos de violações pelo Disque 100, canal que conta com equipe de escuta especializada para o atendimento de demandas específicas relacionadas aos direitos humanos.
O serviço funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer telefone, fixo ou móvel, bastando discar 100.
Além dos canais já citados, é possível denunciar através Secretaria de Direitos Humanos do Ceará, que possui o Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência, localizado na Rua Valdetário Mota, 970, no bairro Papicu, em Fortaleza. Além do atendimento presencial, o centro também oferece apoio remoto, através de mensagens pelo WhatsApp ou por ligação no (85) 9 8895-5702. A secretaria atende a todos os cearenses.